Kukas

Escultura, Matéria e Movimento
Bárbara Coutinho

“É esta mulher que ganha notoriedade nos anos sessenta e setenta ao protagonizar, em Portugal, um corte epistemológico com a concepção tradicional da joalharia, muito embora o seu sonho tivesse sido… escultura. Tal não acontece por limitações várias, inerentes à própria época, mas a sensibilidade e linguagem escultóricas serão uma constante no seu trabalho. Mais. São uma das características que a diferencia. Esta sensibilidade manifesta-se no gosto pela matéria e pela modelação (acentuado pela sua experiência na cerâmica), na apurada plasticidade e na atenção particular com a natureza concreta das formas, texturas e volumes. Kukas nunca perde a vontade de ampliar as suas peças – quer sejam jóias ou objectos – para a escala escultórica, tal como sempre aspira a produzir os seus objectos utilitários à escala industrial.

A sua obra é testemunha da procura de uma forte performatividade formal e de um enorme prazer pelo contacto directo com os materiais, evidenciando ainda a importância atribuída à gestualidade, corporalidade e tactilidade de cada superfície. As peças têm um corpo próprio, uma densidade e um peso, uma estrutura concreta, qualidades conseguidas pela forma como trata cada material, o que a aproxima de algumas pesquisas abstractas levadas a cabo, a partir dos anos cinquenta, na pintura e na escultura. Ao longo do seu percurso, Kukas sabe extrair de cada matéria uma expressividade singular que pode assumir um pendor quase arqueológico ou sugerir uma manualidade brutalista, uma linguagem orgânica, mais uma menos expressionista, ou uma formatividade mais geométrica, por vezes de sabor industrial, outras vezes profundamente abstracta. Omnipresente é o valor escultural de cada objecto de adorno. Para tal, muito concorre a escala, o tamanho e a proporcionalidade dos seus brincos, pulseiras, anéis ou alfinetes. A preferência pela grande dimensão é outra das marcas distintivas da sua assinatura. Kukas recusa explicitamente o pequeno ou o “miudinho”, tal como rejeita a imitação, a réplica e o gosto instituído. Nenhuma peça passa despercebida. Muito pelo contrário… Todas têm uma forte identidade e presença, distinguindo o corpo que as veste. A eleição pelos materiais perenes justifica-se porque cada jóia é, em seu entender, o testemunho de um tempo. Deve perpetuar. Prata e ouro, metal cromado ou prateado são combinados de uma forma original, com um singular sentido estético e plena inventividade. A estes somam-se as pedras, escolhidas não pelo seu valor de mercado, mas pela sua natureza translúcida. A opacidade não a atrai. O protagonismo pertence aos cristais de rocha, pedras de lua e quartzos. Kukas procura assim as pedras que permitem a antevisão ou a penetração do próprio espaço, ao serem permeáveis às cambiantes de luz e aos seus reflexos, outra manifestação da sua sensibilidade escultórica, à qual se soma uma especial percepção espacial.

Conhecedora da tradição de trabalho manual existente em Portugal, a formalidade das suas propostas projecta-as para um entendimento internacional. A poética e a força matriz das suas peças remete-as para uma estética depurada, culta, despojada e abstracta mas, em simultâneo, aproxima-as de uma expressão universal que cruza os tempos e aproxima povos e civilizações. O privilégio dado às formas primordiais e arcaicas – cubos, esferas, espirais, pirâmides – faz lembrar alguns objectos de adorno usados desde os povos primitivos e culturas ancestrais.

Distintivo do seu trabalho é também a forma como reúne diferentes volumes e massas, criando pontos de tensão e intersecção, gerando uma instabilidade aparente ou sugerindo um movimento intrínseco, mais evidente pela acção do próprio corpo ou pelo jogo de reflexos. Por vezes, afiguram-se quase como estruturas espaciais em deslocação. Pela forma como Kukas projecta estas formas em movimento no espaço/ corpo, manifesta um gosto construtivista que explora com grande imaginação, por exemplo, a simetria/assimetria e a harmonia/desarmonia.”

Texto de Bárbara Coutinho, Setembro de 2011

Diretora do MUDE – Museu do Design e da Moda, Colecção Francisco Capelo 

In catálogo da exposição Kukas: Uma nuvem que desaba em chuva (página 9)

In catálogo da exposição Kukas Uma nuvem que desaba em chuva

Edição
MUDE – Museu do Design e da Moda, Colecção Francisco Capelo
e INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda

Ficha técnica:
Conceção e coordenação científica Cristina Filipe
Coordenação editorial Rita Rodrigues
Texto institucional Catarina Vaz Pinto
Ensaios Bárbara Coutinho, Cristina Filipe, Kukas
Design gráfico Nuno Vale Cardoso + Nina Barreiros
Formato 29×14,5cm \ 160 p.
Ano 2011

www.mude.pt

 

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